Uma nova profissão aos 42 anos

A história do ex-lavrador João dos Santos, que há 24 anos trabalha como auxiliar de manutenção e operador de caldeira no laticínio de Mercedes

 

O auxiliar de manutenção João da Luz dos Santos, de 66 anos, começou a trabalhar no laticínio de Mercedes (PR) em 1995. Quando entrou, tinha 42 anos e nenhuma experiência no setor industrial. Sua vida profissional tinha sido toda na lavoura e na criação de animais.

 

Nascido no município baiano de Gandu, mudou-se aos 2 anos para Japurá, no Paraná, com os pais e os nove irmãos. O pai foi trabalhar na lavoura de café e, aos 8 anos, ele seguiu o mesmo caminho. “De manhã, eu ia para a escola: andava oito quilômetros para ir e oito para voltar. À tarde, ajudava meu pai.” Ao concluir a quarta série, parou de estudar.

 

Aos 17 anos, a família se mudou para Altamira, e ele se matriculou em um curso do extinto Mobral, voltado para jovens e adultos. Lá, conheceu Maria, sua esposa há 44 anos. Mudaram-se para Guaíra, onde João foi trabalhar em uma fazenda de plantação de menta e os filhos nasceram. Tiveram Valdecir, que hoje atua como empresário em Curitiba, Valtemir, borracheiro, Valdinéia, que trabalha no setor administrativo, e a caçula Valdirene, cabeleireira.

 

Conforme cresciam, os filhos não queriam mais morar na fazenda, e foi para acompanhá-los que João acabou se mudando para Mercedes. “Quem veio para cá primeiro foi o meu piá mais velho”, conta seu João. Piá, como se sabe, é a forma popular como os paranaenses chamam os meninos. “Ele trabalhou um ano e meio na Quatá e, quando saiu, me indicou para o lugar dele.”

 

Embora não entendesse de manutenção nem de caldeira, tinha, além do perfil trabalhador, curiosidade e facilidade para aprender. João conta que recebeu muita ajuda de todos, inclusive dos donos. Um dia, ele lembra, estava encontrando dificuldade para desmontar um equipamento por não saber como utilizar uma ferramenta que não conhecia. “O seu José Henrique veio, parou do meu lado e me ensinou a usar a chave”, conta. “O Shel também me ajudou muito.”

 

Ele recorda que, quando entrou na Quatá, o laticínio de Mercedes utilizava uma caldeira que acumulava quase cem anos de história. “Tinha vindo de uma antiga Maria Fumaça”, ele diz, referindo-se ao trem movido a vapor alimentado pela queima de carvão.

 

Em seus anos na empresa, além do trabalho na manutenção e na caldeira, João assumiu a responsabilidade de plantar dezenas de árvores no terreno da fábrica. “Hoje, deve ter umas 85 árvores aqui que foram plantadas por mim”, calcula. Fazem parte do grupo uma palmeira de 20 metros de altura, situada ao lado do escritório da gerência, e eucaliptos de mais de 40 metros.

 

Com o suor do trabalho, ele criou os quatro filhos, comprou a casa onde mora, carro e moto. “Durante muitos anos, eu vinha e voltava do trabalho em uma bicicleta que tenho até hoje e é uma relíquia para mim, a princesa”, explica. “Um dia, consegui comprar uma moto 0 km. Quando olhei para ela na minha casa, novinha, sem placa, me deu uma emoção tão grande que chegou a vir até lágrima no olho.”

 

Mas o que o deixa verdadeiramente feliz é a família. Os quatro filhos lhe deram nove netos e uma bisneta, Elívia, de dois anos e meio, que mora pertinho e vai com frequência levar alegria e bagunça à casa dos bisavós.

 

Continuar tendo saúde para acompanhar o crescimento das crianças é o maior desejo de João. Ele tem também o sonho de comprar uma chácara para reunir a família em datas especiais, plantar alimentos, criar animais e relembrar assim a vida que deixou para trás aos 42 anos de idade.

 

“Um dia, consegui comprar uma moto 0 km. Quando olhei para ela na minha casa, novinha, sem placa, me deu uma emoção tão grande que chegou a vir até lágrima no olho.”

 

João com sua “princesa”

 

Com a esposa, os filhos e netos

 

A bisneta Elívia, caçulinha da família